Estou sentindo pena de mim mesmo. Vulnerável e neurótico. É um reflexo de uma frágil confusão, tremenda e fascinante. O que devo fazer? Se - e esse é um grande Se - devo fazer algo sobre essa confusão e este sentimento que parece me engolfar, o que devo fazer?
Tudo depende da visão. Assim, os métodos que posso vir a utilizar dependem da visão. É a visão que me diz o que experimento deve ser. Isto é, vem da visão o diagnóstico. Com ele em mente, posso usar os métodos mais adequados.
Aprendi com meus professores a pensar a visão como uma ciência do refinamento. O grande quadro intelectual sobre como as coisas são, vêm-a-ser e operam. Uma construção a partir da experiência. Em tese, quanto mais intimidade com a experiência, melhor.
Ainda com minhas professoras, aprendi que a visão pode ter "níveis", que vão dos mais equivocados aos mais refinados. Esse refinamento vem da refutação e/ou transcendência de elementos falsos ou relativos (mas vistos como absolutos) da própria visão.
Em termos de níveis da visão, vou valorizar dois expedientes para lidar com as aflições que sinto e penso no momento. No primeiro nível, reencontro a atenção para pacificar o eu que se sente afligido. No segundo, levo a atenção à aflição em si.
Encontro-me tenso, entristecido, provavelmente sentindo pena de mim mesmo, desejando que as coisas fossem diferentes, sem saber exatamente o que posso esperar, afligido por certa carência e, portanto, no domínio do desejo. Há uma sensação indigesta de algo difícil de engolir, de processar. Estou em luta e isolado.
Estou no primeiro nível da visão. Esse eu que sente tudo isso e pensa todas essas coisas, ele me parece tão real. Afinal, sou eu mesmo, a pessoa que digita essas palavras. A solidez desse eu é inquestionável. Sou o que sinto, não é mesmo? Mas não é o que diz a atenção.
No segundo nível da visão, encontro esse desconforto na mente, no corpo, na fala. Passo a olhar a experiência de aflição como quem colocou um objeto sob o microscópio da atenção. Posso sentir na pele uma saudade imensa. O que sinto deve ser verdade. Não é bem assim, diz a atenção.
Volto-me para o eu que exercita a lógica da atenção, esse que contempla essas questões. O que encontro, um eu que sofre. Um ser sofrente. Uma imagem despedaçada. Um sonho que se derrete. Um grito contido. Um pedido de atenção. Ok, diz a atenção, estou aqui. Olho-te.
Acho que vou acender a lareira. É boa hora. Do espaço no qual estou invoco a intenção pela qual a lareira será acesa. A lareira está acesa, e arde em fogo brando. Volto ao eu que deseja e acende a lareira. Com mãos mágicas, disponho esse eu nas chamas.
A atenção busca a aflição. Primeiro como um laço. Depois como um gancho. Finalmente, como ciência. Penetra a aflição como quem adentra o vale da morte, o local doido, o ponto suave, aquilo mais humano em mim. No meio da escuridão, raia e relampeja.
É o calor da lareira. Arde nela a aflição, e se transforma em várias cores e formas e se mexe e para e grita e cantarola e chora e cai na gargalhada e fica muito triste e se alegra e faz silêncio e não para de falar e vai se dissolvendo em meio a tudo isso. Enquanto se revela.
Se revela em sua essência, que não ouso pronunciar, para não induzir ao equívoco que uma tal “coisa” exista e/ou possa ser posta em palavras ou metáforas, mesmo sublimes. Enquanto se mostra, reaprendo a dançar sem dar um único passo, sem me mover.
Um calafrio no coração é o sinal de que a lareira foi estabelecida. Estou agora sentado em uma clareira em meio a uma grande floresta. Não estou sozinho. Há pássaros e corsas e elefantes e búfalos e crocodilos e grandes serpentes e seres mágicos. Chove, mas ninguém se molha.
Uma mão velha e conhecida toca meu ombro. É minha grande professora. Ela está aqui. Ela sempre está aqui. Ela nunca diz nada. E no entanto é tão eloquente. Posso sentir a ponta de seus dedos. Palpitam além, além, diretamente além, diretamente mais além. Assim é!
Essa dor é minha! Vem de quem fui. De quem me tornei. E de vocês! Essa dor também é de vocês. Sofro como e com vocês. Tudo certo. Tomo-a em meus braços de fantasia. Disponho-a com atenção e bondade no colo aceso na lua de meu coração. Choro com ela e ofereço meu abraço e broto as sementes do estado desperto que independe de semeio.
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