O que você sente é pura clareza. Essa clareza está na mente de todos os seres. Todos os seres são levados a sentir e ter consciência de coisas que parecem perturbadoras. Entre nós, o mecanismo habitual é lutar ou fugir, usar conceitos para tentar entender e poder. Muito sofrimento advém disso.
Minha experiência com a raiva
Vejo que as coisas todas são enquadradas em visões que nos ajudam a organizar a experiência. A palavra experiência sugere união de saber não diferenciado por conceitos ou discriminação, mero saber, mera presença COM sensibilidade. Então, sabe-se sobre a sensibilidade; temos ciência da qualidade sensível. Sentir é saber e, num certo sentido, saber é sentir.
Quando estamos conversando sobre o que chamamos de raiva lembro da atenção e, nela, a raiva não possui um nome; ela surge como sensibilidade, como “energia” corporificada, ou seja, raiva é no corpo, como algo que engaja as células do corpo, os músculos estabilizadores do corpo.
A experiência de sentir pode ter intensidade. O corpo da raiva é ligeiramente diferente do corpo do orgulho, que também engaja o corpo em sensibilidade mais agradável. O orgulho é tão agradável, e tão delicadamente agradável, diferentemente da euforia. A raiva não. A raiva engaja de maneira mais óbvia e exuberante; essa energia forte e querente.
De maneira geral, tendo a depender demais de conceitualizações acerca daquilo que sinto. A consciência simples agora se manifesta como interpretação, conceitualização; discriminou, buscou entender através de conceitos, memórias. Pois bem, ao ser extraviado pela esfera da raiva busco abrir mão dessa conceitualidade. Frequentemente, esse condicionamento me aliena da experiência direta que é a vivência disso que engaja o corpo; a intensidade da corporificação. O pensamento dá essa sensação de distanciamento e de controle, uma ilusão de autocentramento. Ou seja, vejo a raiva de maneira autocentrada, um fenômeno muito alimentado pela elaboração conceitual. Sendo assim, não elaboro a raiva.
Não elaborar a raiva não significa esvaziar a mente (sic), tentar calar a mente, tentar parar de pensar - tudo isso é sofrimento. Ao abrir mão da conceitualização noto que a mente tenta enquadrar a sensibilidade em algo que me faça sentido; apesar disso, não elaboro essas sugestões mentais. Onde está minha atenção?
A atenção está no corpo. 75% da atenção está no corpo. Noto essa emoção pelo corpo. Ela me parece menos problemática. Estou ausente de formulações problematizadoras. Ao sentir diretamente o que se passa no corpo, sem o suporte de interpretações, apenas sentir e, vá lá, relaxar os músculos, tenho com o local dessas emoções no corpo e com o espaço de consciência não elaborada na qual aparecem.
Aquilo que antes minha linguagem chamava raiva revela-se não-raiva, mera sensibilidade, qualidade da mente. O encontro direto com a experiência da raiva é livre de elaboração conceitual que ilumina ao mesmo tempo em que obscurece. Sem a interface do pensamento obsessivo, revela-se clareza natural, possivelmente um ontológico primitivo da mente. Na sensibilidade, certa clareza espontânea, toda penetrante, não conceitual. Essa clareza vejo, no momento, como a essência da raiva. Aquilo que antes eu chamava de raiva revela-se ciência maleável, curiosa, aberta, arejada, vasta. Purificada de conceitualização, a emoção é mera clareza sem nenhuma concretude. Desse ângulo, a raiva é o estado desperto, a mente chamada compassiva. A energia no corpo é presença da vitalidade. A raiva iluminada é penetrante e frutifica como expansão e contexto.
Abro mão do hábito de conceitualizar a experiência. Noto minha dependência do pensamento, uma interface que me dá a ilusão de proteção e entendimento. Fico apenas com a sensibilidade em si, diretamente experimentada. Sobra, por assim dizer, apenas a sensibilidade propriamente dita e não-problematizada. Isso é como extrair aquilo que não é ouro do ouro, isto é, deixar a conceitualização de lado. A emoção em si mesma, ausente de rotulação e formulação, está, como se diz, livre. No dia a dia, pode-se direcionar essa energia ao invés de ser arremessado por ela. Bem aí entra sua real motivação.
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