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Foto do escritorBreno Xis

O corpo como caminho, primeiros passos


A maior dificuldade é sentir sem conceitualizar. Via de regra, acoplo ao sentir conceitos. Eles buscam enquadrar o que sinto em agradável, desagradável ou neutro. Diante de um sentimento percebido como desagradável, tenho ideações inspiradas pela aversão. Diante de sentimento percebido como agradável, tenho ideações inspiradas pela avidez. Diante de sentimentos neutros, frequentemente permaneço indiferente.


A confusão aí pode ser elucidada a partir de diversos ângulos. Um deles, central, é um certo autocentramento, a percepção de que há alguém diferente de tudo isso a quem isso ocorre. O fenômeno do autocentramento me faz ver tudo a partir da primeira pessoa, como um experimentador, como alguém que olha para aquilo a partir de uma certa distância. Essa confusão não resiste à análise.


Quando entro em contato com o sentir a partir da atenção plena, descubro que não sei exatamente o que sinto. Não sei o que sinto e, muito menos, o que representa. Não posso sequer dar um nome para o que sinto, mas se o faço estou ciente disso. Ao dar um nome para um sentimento preciso cuidar pois frequentemente as palavras vêm carregadas de julgamentos morais e premissas metafísicas que subscrevo acriticamente.


Ao olhar para o sentimento posso percebe-lo como agradável, desagradável ou neutro. Um primeiro ponto seria explorar essa qualidade no sentimento, como quem investiga se está no sentimento ou se é, por exemplo, uma imputação, isto é, algo que saco do sentimento mais pelo meu modo de ver do que pela intimidade com a natureza do sentimento em si.


Outro modo de lidar com o sentimento pede uma atitude de acolhimento para essas características que são percebidas. Acolhimento aqui é uma ação inspirada pela permanência no corpo, uma espécie de se abrir para o que se sente sem a urgência de que passe ou de que faça sentido. Requer muitas vezes um toque de vulnerabilidade e a suspensão metodológica da conceitualização, substituída pela atenção não-conceitual ao corpo. Isso é como mergulhar em uma piscina com água em certa temperatura e não pensar muito a respeito.


O problema não está exatamente nos pensamentos. A mente produz pensamentos, isso é algo que vamos lidar. A dificuldade é que essas aparências frequentemente desengatilham processos conhecidos como elaborações, ou seja, diante de um pensamento outro pensamento e mais outro pensamento e mais outro numa teia de fabricação conceitual. Essa experiência elaborada é muitas vezes marcada pelo autocentramento, o que já coloca o sujeito em meio a isso em uma situação de fragilidade oriunda dessa confusão.


Então, opto por cortar temporariamente a atividade de elaboração. Essa surge muitas vezes devido a uma vontade de entender através daquilo que já pensamos saber ou sabemos. Pomo-nos a nos debruçar intelectualmente sobre o que nos toca sem nos dar conta dos possíveis efeitos negativos (e.g. ânsia) dessa lógica, bem como dos limites dela.


Com a elaboração grandemente diminuída, posso estar com o sentimento, isto é no corpo, sem pressa, sem uma agenda outra que não seja estar ali, possivelmente acolhendo o mistério daquilo e toda a mente que não sabe mas gostaria de saber. Tudo isso é acolhido sem maiores elaborações, como aparências na pele e no campo de percepção. Um efeito dessa profilaxia abre-se como a facilidade de se desarmar e/ou parar de fugir do que é experimentado. Isso é o que chamo acolhimento. Uma vez que posso estar com o que me aparece no corpo e na mente, aberto para o que aquilo me parece e para o desconhecido que aquilo é, bem como para minhas reatividades diante daquilo, entro em um modo de olhar melhor o que sucede, ou seja, admiro a mente. Nessa mente irei ter com os objetos de percepção e com quem parece olhar e sentir esses objetos. É isso que chamo ver melhor. Não há urgência em extrair daquilo uma ideia, um sentido, uma solução. Há uma calma em estar com aquilo conforme experimento de momento a momento.


Em minha experiência, noto a ocorrência de certas confusões, algumas das quais foram citadas brevemente ao longo desse texto. Deixo que essas confusões se mostrem sem maiores julgamentos, como quem experimenta uma atmosfera, como quem assiste uma peça de teatro, ou como quem olha um rio corrente. Disso extraio informações importantes. Uma delas têm a ver com o caráter iminentemente mental do que experimento e de quem experimenta. Nesse ponto, uma pergunta é mister: qual a substância da mente?


[Escrevi esse texto - não revisado - sob a mira urgente de uma flecha apontada por uma amiga. Que as ideias dispostas mal e grosseiramente nesse rompante de texto possam ser de algum benefício.]

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