top of page

Newsletter #1

  • Foto do escritor: Breno Xis
    Breno Xis
  • 28 de jan.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 9 de fev.

Como a atenção pode nos ajudar a pensar a elaboração da vida

Assinantes da newsletter recebem em primeira mão o texto publicado a seguir.
Assinantes da newsletter recebem em primeira mão o texto publicado a seguir.

Esta semana, o mundo literário brasileiro foi marcado pelo relato da escritora Vanessa Bárbara. Para quem não acompanhou, trata-se da elaboração de um trauma causado pelo ex-marido, André Conti, com a possível conivência de 13 homens importantes no setor. É uma história doída e cheia de gatilhos, contada no podcast Rádio Novelo (uma transcrição pode ser achada aqui na segunda parte do documento). Em 24 horas, o assunto transformou-se em uma grande discussão envolvendo temas como o pacto masculino de cumplicidade misógina e a necessidade de elaboração do trauma em um processo de cura.

 

Em um texto chamado "Quatorze homens e um segredo (que não era deles)", a jornalista Marília Kodic escreveu:

 

"Reelaborar o trauma quantas vezes for preciso é um processo natural às vítimas. Quem já adoeceu afogado em silêncio sabe quão labiríntico é o percurso da cura. Não se sobe apenas uma vez para pegar ar."

 

O testemunho de Vanessa chegou em um momento no qual penso sobre a atenção no contexto do treinamento da mente para a meditação. Após constatar como a atenção tornou-se objeto de interesse contemporâneo, notei como esse entusiasmo pode manifestar-se na forma de duas práticas específicas. Exponho meu raciocínio no texto "Sua atenção é você", disponível aqui no site.


 

Atenção e Elaboração: A Via da Complementação

 

Uma questão fundamental da meditação clássica relaciona-se com um tensionamento entre a elaboração e ausência de elaboração, em outras palavras, entre a conceitualização e a não-conceitualização. De modo geral, a elaboração parece ser vista como o motor da confusão, enquanto a ausência de elaboração seria o local privilegiado do estado desperto atemporal (sic). Se você achou essa perspectiva um pouquinho maniqueísta é porque ela é.

 

Eihei Dogen. Mestre do budismo zen, nascido em Kyoto. Fundou a escola Soto.
Eihei Dogen. Mestre do budismo zen, nascido em Kyoto. Fundou a escola Soto.

Voltemos ao budismo zen para ver algo. Poucas tradições meditativas são mais apologéticas em relação às práticas não-conceituais do que o zen. Ainda assim, a elaboração escrita por Dogen, o Shobogenzo, acerca da doutrina zen é volumosa e altamente detalhada. Estaria Dogen incorrendo em contradição?


A perspectiva da atenção pode ser útil para lidar com a tensão de modo menos dual. Quando treinamos a atenção, normalmente somos iniciados com uma técnica de concentração na qual isolamos a atenção da fabricação conceitual. Renovamos nossa atenção em um certo objeto sem a necessidade de pensar sobre ele. Essa é de modo geral a dinâmica de uma prática como a de shamata.

 

Porém, o treino da atenção não pode ser resumido a simplesmente melhorar a estabilidade da atenção. Isso pode ser visto quando fazemos uma simples pergunta: "Por que devemos melhorar a estabilidade da atenção?" Aqui vemos que o treino da atenção possui uma dimensão ético-normativa.

 

"A atenção é um fenômeno de nível pessoal ou subjetivo (que envolve a seleção de algumas informações para processamento posterior em detrimento de informações não atendidas)." ~ Sean M Smith

 

Qualquer pessoa que promover e/ou iniciar o treino da mente precisará recorrer a julgamentos de valor, elaborações de conteúdo ético, epistemológico, estético e existencial. Cada um desses campos é uma esfera conceitualizada potencialmente normativa. Assim, treinar a atenção relaciona-se tanto como prestamos atenção quanto ao que prestamos atenção.

 

Ao resolver prestar atenção em alguma coisa, imediatamente deixamos de ver outra coisa. Ao prestar atenção apenas na atenção como capacidade de concentração podemos deixar de notar a atenção em sua interface ética. Podemos optar por não ver os efeitos éticos daquilo que não queremos atender com a atenção. Ou seja, prestar atenção não é suficiente para uma vida ética. E como sabemos disso? Ao nos perguntar por que devemos melhorar nossa capacidade de prestar atenção.

 

Quando refletimos a atenção através da elaboração conceitual estamos analisando a atenção em suas diversas manifestações, algo que a mera clareza jamais poderia fazer. Essa é a razão de que o treino em atenção é visto como eticamente neutro, o que explica a presença, mesmo em renomados meditadores, da mais tosca misoginia, dentre outras falhas éticas graves.

 

Isso vale para a elaboração da nossa experiência. Ao elaborar o que experimentamos, iniciamo-nos em uma vasta capacidade associativa e relacional. Ela atua conectando instâncias supostamente separadas, sugerindo significados ocultos e inconscientes e abrindo espaço para o questionamento da visão naturalizada, dada como verdadeira pelas normas sociais vigentes. Esse poder é em si uma capacidade liberativa e transformacional sem igual no mundo, o que explica que todos os regimes totalitários e teorias dogmáticas tentem sabotá-lo e interditá-lo.

 

Vanessa Bárbara, a meu ver corajosamente, optou por seguir com a elaboração da violência causada a ela. Fez isso com o suporte da atenção. Se por um lado precisou fazer uso dos aspectos morfológicos da atenção (estabilidade, clareza, não-conceitualidade), também precisou saber os motivos que a levaram a prestar uma certa atenção, incluindo o valor desse ato. Algo semelhante ocorre com a elaboração e a ausência de elaboração, e um treino da mente rigoroso conseguirá equilibrar as duas funções reforçando o que têm de melhor.

 

Obrigado pela atenção de vocês. Breno


 

Se você gostou desse texto, considere a possibilidade de assinar minha newsletter. Nela elaboro questões contemporâneas em associação com as contemplações do treino da mente para a meditação que publico por aqui. Em um tempo quando os algoritmos das redes sociais filtram as informações que podemos acessar, parece-me uma boa ideia retomar os princípios de acesso descentralizado à informação e ao conhecimento. Para assinar a newsletter, basta informar seu email no campo mais abaixo. Você poderá cancelar a assinatura quando quiser. Agradeço por sua atenção e tempo.

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
imagem do terapeuta breno xis, idealizador da autocuradoria
Breno Xis

Atendo pessoas interessadas em aplicar métodos clássicos de treino da mente para cultivar clareza, sensibilidade e conhecimento.

 

Saiba mais

 

Assine para saber de atualizações e receber a newsletter quinzenal:

Sucesso na inscrição. Boas vindas.

bottom of page