Ouvi uma amiga aspirar que as pessoas tivessem mais lucidez. Pensei: Mas a lucidez já está presente. Eis o fio:
Não se gera lucidez com meditação. A prática é feita para tirar obstáculos à realização da presença da lucidez. Lucidez é característica da mente.
A lucidez é instantânea, espontânea, vive numa espécie de agoridade - esse momento, fresco demais.
Não sabemos o que a experiência é. Daí a luta para enquadrar, entender tudo. Queremos segurança ante o tremendo (e fascinante) mistério.
Uma realização da lucidez surge quando cessamos a luta interna. Descansamos o sujeito-verbo, aquele que age para fixar as coisas.
Descansamos esse sujeito que quer sentir ou não sentir, que quer realizar ou que não quer realizar, que quer para si ou que não quer para si. Algumas tradições chamam a isso de rendição.
Daí bem nesse momento que a gente desiste da coisa toda, percebe-se: a mente é clara. A experiência porta uma certa clareza.
Essa clareza não é algo que praticamos para ter. Já está presente, não é uma potência. A pessoa surge em meio a ela, agora mesmo.
Só que acontece que a gente se envolve com essas “coisas” que parecem se movimentar dentro da mente.
Ofuscamo-nos com os objetos da atenção, os objetos de conhecimento: formas, sensações, percepções, conceitos, nós mesmos.
Lutamos para controlá-los, entendê-los, rechaçá-los. Um enquadramento absoluto que nos traga alguma segurança (existência!) no meio do fluxo.
Então não vemos aquilo que não se move, aquilo que em primeiro lugar permite a aparência de todas essas manifestações: a clareza em si.
Quando relaxamos o sujeito-verbo e sua ganância, revela-se essa lucidez encoberta, nunca maculada pelo dinamismo das aparências mentais.
Mesmo dentro de nossas neuras, até no ápice disso, essa clareza está presente. Do contrário a neurose não teria poder para se sustentar.
As fantasias que criamos - mundos independentes, o outro, objetos de desejo - não existem fora da característica de clareza da mente.
(A própria etimologia de “fantasia”, com seu radical phantos, sugere a presença de um certo brilho, de uma certa luz, de uma certa clareza.)
Essa clareza não é algo que é uma potência: não é uma semente, não é um embrião que vai se desenvolver porque se pratica.
Se você para de lutar um minutinho, nota uma certa clareza. E se tenta agarrar essa clareza, percebe que não consegue.
Essa característica de clareza na presença, ela não pode ser instrumentalizada pelo ego. É uma radicalidade, o ego fica louco.
O ego gostaria de agarrar essa clareza e dizer “Eu sou lúcido”, “Eu tenho essa lucidez”. Mas não. Porque não há alguém que tenha essa lucidez.
Essa lucidez é impessoal, característica da mente. A mente é desperta. A mera presença da presença, uma ciência sem esforço.
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