Um texto temerário. Uma exposição do lugar suave.
Faço do secreto passagem, sussurro, entrega. Faço dele exposto. Soltura.
Faço dele comunhão.
Faço da mente espaço, teatro, arché. Faço dela ventre. Entre. Faço dela transubstanciação Faço do corpo oco, vasto, oceano. Faço dele mágica. Banquete. Faço dele transpercepção.
Faço do coração ninho, coito, ovo. Faço dele broto. Voo. Faço dele céu.
Faço de mim passagem, rodoviária, teletransporte. Faço de mim escuta, ombro onde pode repousar a testa de minha velha mãe. Faço de mim querência, desejo, intransigência. Faço de mim amor.
A experiência é implacável. Os sonhadores devem ver. Todo sonho corre na direção do despertar. É seu destino. É privilégio do sonho despertar e se ver e, assim, se liberar e, se for o caso, rebrotar. Faço de mim atualização.
Entrego meu coração para as qualidades da mente. Faço delas minha morada, refúgio, lareira. Entrego meu coração para aquilo que me inclui e me transcende. Faço de mim oferta ao fogo brando da atenção feita de raios. Faço de mim furacão, olho do furacão.
Paro para ouvir o meu lamento. Ouço minhas esperanças. Sento-me no meu deserto. E choro. E chovo. E adormeço vigiado por aquilo em mim que não sou eu: a Terra, o Sol, os Vínculos, as Raízes.
Meu ninho vazio parecia triste. Uma casa sem ninguém. Um lugar para o nada. Um lugar de espera. Eu não sabia que tudo isso, toda essa enorme falta, que era o espaço desobstruído do ninho, que todo esse espaço era o ovo, o coito, a vida.
Sou jardim. Sou o instrumento afiado e brutal que rasga minha terra fértil. Sou o arado, sou a mão que semeia, sou o que não se pode ver, a flor na semente, a plantação na terra esturricada, o sol na nuvem escura.
Faço minha oferenda. Tiro do peito meu lugar suave, o mais protegido de meus bens. O mais sensível. O mais machucado. O mais incompreendido. Tiro com as mãos da criança. E disponho num prato sujo, abençoado pelo transcendente, no altar que é o espaço.
Eu, que se manifesta do vazio, cujo corpo, fala e mente foram adotados pelos cumes da experiência. Eu, aquele que se perde e cai e se desespera, ofereço esta aspiração cardíaca à mãe do sol: consumarei a perfeição do amor.
Minha devoção não é outra que a natureza da mente. Sendo assim, dissolve-se essa exibição mágica na ausência de extremos, na ausência de esferas. Sendo assim, posso me levantar uma vez mais, como um sonho cujo destino é voltar pra uma casa que nunca foi abandonada.
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Este texto, uma maluquice temerária, surge da urgência que é ter a seta chamada oceano de lágrimas apontada diretamente para o meu coração: o sofrimento do mundo, as dores de quem amo, as aflições de quem desconheço. Tudo possa ser auspicioso para os seres. A confusão surge como sabedoria.
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Para minha professora Telma Romão, agradeço por tudo. Não são poucos os momentos, aprendizados e danças compartilhados por você. Agradeço por cada uma de suas bênçãos. Há vitalidade!
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